"Não há símbolo algum antigo que não tenha um significado profundo e filosófico, cuja importância e significado aumente com a sua antiguidade. Tal é o Lótus. É a flor consagrada à Natureza e aos seus Deuses e representa o Universo no abstracto e no concreto, sendo o emblema dos poderes produtivos, tanto da Natureza Espiritual como da Física”.
A Doutrina Secreta, Vol. II H. P. Blavatsky,
Cap. VIII “O lótus como símbolo universal”. Pág. 147, Ed. Cárcamo.
Os indianos conheciam este profundo significado
do lótus e relacionaram-no com:
1. Tudo aquilo que surge do Fogo e da Água. No
calor e na humidade expandem-se os gérmens da natureza e com ele aparecem os
novos rebentos da Primavera. Mas também se refere a tudo o que nasce da Ideia -
Fogo - e da Forma - Água. Do Espírito e da Matéria. Todo o Universo aparecia
ante o seu olhar filosófico e poético como um lótus que é o assento do Deus
Criador, Brahma.
2. A semente espiritual na Alma humana. Uma
semente de um mundo celeste, Fogo numa natureza de água, a psique. É, portanto,
símbolo do Discípulo, aquele que faz crescer as sementes da verdade depositadas
nele pelo seu Deus. O Discípulo, como o Lótus, tem as raízes no barro da
existência ilusória e manifestada, cresce silenciosamente através das correntes
astrais - de água - onde nunca abre o seio interno da sua flor. A alma do Discípulo
abre-se somente a um mundo de ideias fortes, belas e elevadas. E o dom do seu
espírito volta à fonte de onde surgiu, “como a chispa que desaparece na
radiação universal”. É também no Lótus o ar quem percebe o lustre das suas
pétalas e o fogo do Sol quem beija a sua cor.
"E o que tem isto a
ver com os grandes números? E a que grandes números nos referimos? É que a
filosofia e a matemática hindú representam em símbolos naturais os grandes
números, aqueles que nós dificilmente pronunciamos. E entre eles o lótus tem um
valor excepcional"
Mas não falaremos destes distintos significados
que tanto a filosofia hindú como a egípcia atribuíram ao lótus. Tão-pouco a
Pureza, a sobriedade e rectidão, emblemas do sábio, com que os chineses o
relacionaram. Tal como nos conta Tcheu Tuen-Yi, a ideia de pureza de que é
símbolo por não se manchar nas águas pantanosas em que habita, une-se à de
firmeza, pela rigidez do seu talo. Também na alquimia chinesa é símbolo da flor
de ouro, a perfeição ou ressurreição da chama espiritual. Para os chineses, tal
como para os iberos nas suas cerâmicas funerárias, fala do tempo e dos seus
ciclos nos quais a alma abre e fecha alternativamente os seus braços. Na China
o tempo passado, presente e futuro são, no lótus, o botão, a flor aberta e a
semente derramada.
Na Índia também simbolizou os sete centros
energéticos do ser humano, os chakras, rodas que giram e entrelaçam as suas
fibras de luz e que se abrem como lótus para abraçar a luz e a vida que lhes
chega do sol.
Para estas culturas, pois, o lótus foi símbolo
da presença de Deus na matéria. O céu na terra. “Sou como o lótus, resplandeço
na Pureza” diz o Iniciado egípcio. E o lótus também significa o coração sem
mancha. Com as suas folhas dobradas, a forma do lótus recorda-nos a do coração
e a da pirâmide, a sua imagem geométrica. Ambos representam o Universo como
morada de Deus. E Plutarco, o sacerdote de Apolo, diz ter aprendido dos sábios egípcios
que o lótus de folhas arredondadas é o símbolo do Cosmos e o de folhas
triangulares representa a Natureza e a sua ordem piramidal.
E o que tem isto a ver com os grandes números? E a que
grandes números nos referimos?
É que a filosofia e a matemática hindu representam em
símbolos naturais os grandes números, aqueles que nós dificilmente
pronunciamos. E entre eles o lótus tem um valor excepcional.
A matemática hindu trabalha, como a matemática ocidental,
com as potências de dez. É de facto uma herança hindu o facto de que para
denominar o 365 o façamos como 3x10 elevado a 2 mais 6 por dez elevado a um
mais 5 por dez elevado a zero:
-->
365 =
(3x102) + (6x101)
+ (5x100), assim 365 = 300 + 60 + 5
. Esta estrutura decimal foi vital para a filosofia pitagórica e
para a Ciência-Religião egípcia, que a relacionou com a Enéada de Heliópolis
que surge do Espaço puro ou Nun - o zero matemático. Para os pitagóricos os
primeiros arquétipos foram os números, de onde surge a medida ou as relações
entre os seres, ou os seres que são relações entre Números. Para os egípcios os
primeiros Deuses foram estes 10 primeiros números e tudo aquilo que não se ajustava
a eles nas suas medidas era origem do caos. Estes dez Números perpetuam-se em
séries sem fim. Contamos até 10 e até cem, dez vezes cem e continuamos até mil,
dez vezes dez vezes dez. Mas são estes mesmos dez números que dançam e dançam.
E se bem que é certo que os dez primeiros números são a chave do edifício matemático
que é a Natureza - estes primeiros números e as suas sombras geométricas -
também é certo que cada ordem numérica tem um significado qualitativo distinto.
Isto sabiam bem os filósofos hindus quando deram um nome, um significado e um
símbolo distinto a cada potência de dez. Muitas vezes estes nomes são para nós
intraduzíveis ou de um significado ambíguo, como:
Jaladhi - Oceano, que expressa o 10 elevado a 14, ou
kshobhya - Movimento, que é o 10 elevado a 17, ou parardha - literalmente “mais
além - metade”, 10 elevado a 12 e que se interpreta como a metade do caminho que
leva à Eternidade; porque a mesma serpente sem fim da eternidade, Ananta dá
nome ao 10 elevado a 13. Talvez as razões de chamar assim a estes grandes
números sejam razões encriptadas e o facto de que os signos do silabário
sânscrito também se possam ler como números tenha muito a ver com isso.
Recordemos que uma das perguntas mais difíceis que se faz ao Buda no
Lalita-Vishtara é que saiba nomear os escalões que nos levam ao infinitamente
grande e ao infinitamente pequeno. Que ascenda até abarcar o universo e que
descenda até nomear, definir e sujeitar à razão as interioridades do átomo.
Recordemos este belo e antigo ensinamento na “Luz da Ásia” do poeta inglês
Edwind Arnold:
A tua numeração até chegarmos a Lakh,
Um, dois, três, quatro, até dez, e então de dez em dez
Até às centenas, milhares.” Depois dele a criança
Nomeou os dígitos, décadas, centenas; sem pausas,
O redondo lakh (1) alcançou, mas suavemente murmurou
“Então vem o kôti, nahut, ninnahut,
Khamba, viskhamba, abab, attata,
Até kumuds, gundikas e utpalas,
Por pundarîkas até padumas,
O que resta é como contas o máximo de grãos
Do solo de Hastagiri até os mais fino pó,
Mas para além disso uma numeração é,
O Kâtha, utilizada para contar as estrelas da noite,
O Kôti-Kâtha, para as gotas do oceano,
Ingga, o cálculo de circulares;
Sarvanikchepa, pelo qual lidas
Com todas as areias do Gunga, até voltarmos
Para Antah-Kalpas, onde a unidade é
As areias de dez crore (2) Gungas. Se alguém procura
Uma escala mais compreensiva, os montes aritméticos
Perto de Asankya, que é a cauda
De todas as gotas que em dez mil anos
Cairão em todos os mundos numa chuva diária,
E desde aqui até Maha Kalpas, pelo qual
Os Deuses calculam o seu futuro e o seu passado.”
Quanto ensina e quanto encobre! Tal é o poder do símbolo.
Nela fala-se da série de potências de dez ainda que como conta de cem em cem,
se trate somente das potências ímpares - até chegar a asankhya, literalmente “o
inumerável”, ou “o que está mais além da razão”, que é “a conta de todas as
gotas de chuva que, em dez mil anos, cairíam por dia sobre o conjunto dos
mundos”. Por estas gotas deve entender-se os raios de luz que durante este tempo irradiam infinitos mundos sobre infinitos
mundos, estrela a estrela. Fala-se também - fácil, em comparação com o anterior
- do número que permita contar as estrelas da noite, as gotas do oceano e aquele
mediante o qual os deuses calculam o seus porvir e o seu passado. Por este
termo de asankhya também se entende no Bhagavad Gita - o manual de filosofia
esotérica hindu - a duração total da vida de Brahma, a quantidade bagatela de
311.040.000.000.000 anos humanos, que dizem da duração do universo manifestado,
em que nascem, vivem e morrem os incontáveis mundos. Pense-se na duração de
vida do nosso sistema solar, segundo ensinam os cientistas e aceite-se esta
vida como um elo de uma longa cadeia de dez mil e este número não parecerá tão
incrível. E é que como afirmam os comentários a esta obra, ainda esta
quantidade não é Nada no oceano sem margens da Eternidade.
Os
lótus surgem neste Oceano de Luz da eternidade como sementes crescidas de uma
perfeição divina. A Beleza, Harmonia, Perfeição do Divino brotam como um lótus
com raízes no mundo manifestado. Para a filosofia esotérica o átomo é um lótus,
perfeito na sua simplicidade, a estrela é um lótus e um sistema solar como o
nosso é um lótus.
É um lótus a galáxia e é um lótus a imaculada luz do Universo.
Lótus que abrem e fecham as suas pétalas na eternidade. Talvez seja esta a
causa pelo qual os filósofos hindus utilizaram o lótus para simbolizar vários dos
seus “grandes números”, em quantidades para nós impossíveis de imaginar. Se o
lótus resume em si o divino de uma vida, distinto será se quer expressar o bater
e o movimento do átomo, da galáxia ou do Universo na sua totalidade, Um-só - um
de uma série infinita sem princípio nem fim. Recordemos que a iconografia hindu
diferencia o simbolismo do lótus segundo a sua cor, número de pétalas e segundo
tenha as suas folhas dobradas em forma de casulo, semiabertos ou totalmente abertas
à luz. Como a semente do lótus desenha nas suas pregas a forma futura das suas
pétalas, o lótus representa o número dez e aos seus desenvolvimentos, presentes
no círculo e o seu diâmetro vertical, o seu símbolo. Pois para a filosofia
esotérica, a vida surge como surge a série numérica do dez, e esta segue o esquema
geométrico de um diâmetro vertical que corta e polariza o movimento
ininterrupto da sua circunferência. Assim o mistério do 10 é o mistério da
unidade no seio da sua circunstância, imagem que evoca a do lótus. Isto sabiam
os sábios hindus quando chamaram à Unidade, Mahi, “leite coagulado”, a infinita
luz estelar que alimenta a vida. Nascem as “unidades” de vida como coagulações
desta Luz ou Vida-Una, como lotus de imaculada beleza.
Dos lótus, o mais primitivo e de capital importância é
PADMA, o lótus rosa, símbolo da pureza, da mais alta divindade e da razão
inata. Nomeou o número mil por ser o lótus de mil pétalas - Sahasrasa - o trono
da Sabedoria, o deus Vishnu. Mas também se converteu no nome de “mil milhões”
(10 elevado a 9), e mais adiante no de 10 elevado a 14, inclusivamente no de 10
elevado a 29 e até do absolutamente incompreensível 10 elevado a 119.
KUMUDA é o lótus branco rosado, que nomeia o número 10
elevado a 31 (mil tri-lhiões) e ao 10 elevado a 105.
UTPALA é o lótus azul entreaberto. Na filosofia hindu e
budista representa o triunfo do espírito sobre os sentidos. É a verdadeira
vitória e, portanto, a flor do poder, a que representa os grandes Reis e os
Iniciados. No Egipto esta flor em casulo é o ceptro Sejem, ceptro de força,
poder e autoridade, associado a Anúbis, a Osíris e a Sejkmet, a deusa leoa,
cujo nome, “a poderosa”, é a forma feminina deste ceptro, que aparece
transportando como Senhora que é do Lótus. No Livro dos Mortos (Hino 179) está
escrito “Sou o desgrenhado que surge do seu próprio Sejem”, é a imagem do que
desperta e abre todos os seus poderes interiores como o lótus azul entreabre as
suas pétalas. É o mesmo Lótus Azul a que se referem os antiquíssimos textos
tibetanos que recompilou H. P. Blavatsky na sua imortal Doutrina Secreta. “Os
Reis da Luz partiram indignados. Os pecados dos homens fizeram-se tão negros
que a Terra se estremece em agonia... As azuladas sedes permanecem vazias. Quem
entre as morenas, quem entre as ruivas mesmo entre as negras, pode ocupar as
Sedes dos Abençoados, as Sedes da Sabedoria e da Piedade? Quem pode assumir a
Flor do Poder, a Planta do dourado Talo e da Flor Azul?”. Na matemática hindu nomeia
o 10 elevado a 25.
Recordemos, para além disso, que a civilização egípcia, tão
aparentada à da Índia, também figurou o número 1000 pela flor do lótus.
PUNDARIKA é o lótus branco de oito pétalas, símbolo da perfeição
mental e espiritual. Este lótus tem tantas pétalas como as oito direcções do
espaço, os oito pontos cardeais ou os oito elefantes da cosmogonia hindu. Nomeia
o elefante que vigia o horizonte sudeste do universo para o deus do fogo Agni.
Matematicamente é o 10 elevado a 27 e inclusivamente a 112.
Lótus, tais são os lótus dos grandes números, o espírito
encarnado agitando-se no átomo, no Sol e no Mundo, invocando como potências de
dez que são a luz divina em seios cada vez maiores. Se a nossa mente se abrisse
como um lótus à luz, talvez pudesse entender o enigma dos lótus dos grandes
números.
José Carlos Fernández
Director Nacional da Nova Acrópole
(1) O valor matemático de lakh é de 105 = 100.000.
(2) Um crore são 100 lakh, quer dizer 10.000.000.
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